Como é  realmente trabalhar dentro de um Cruzeiro?

Como é realmente trabalhar dentro de um Cruzeiro?

02/05/2016 1 Por CarlaUmbria

Mudanças são complexas, doloridas, mas muitas são extremamente positivas. Neste outro post comentei sobre a possibilidade de mudar de país. Analisei as alternativas, falei sobre riscos e o que seria necessário para começar a colocar em prática essa guinada de vida.

Existe uma alternativa que nos últimos 10 anos se tornou bastante comum aos brasileiros que pensam em mudar de país: o trabalho dentro de Navios de Cruzeiro. Muitas pessoas que hoje seguem outras carreiras fora do Brasil alçaram voos maiores a partir deste tipo de emprego temporário mas, como seria realmente trabalhar dentro de um navio? 

Da mesma forma que nos cursos de Comissaria de Bordo, onde os alunos são exigidos ao extremo, as provas são rígidas e a concorrência é grande, a tripulação de um navio passa por métodos similares de escolha, contratação e treinamento e ambas as profissões, muitas vezes, são vistas com mais glamour do que a realidade confere.

 

Nada melhor que saber de alguém que já esteve dentro de um Navio como tudo funciona

Pensando nisso, trouxe para vocês uma entrevista feita com a Fotógrafa de Arquitetura Daniela Buzzi, que trabalhou em Cruzeiros durante o ano de 2009 e trouxe inúmeras histórias dos navios, pessoas e aprendizado pessoal acumulados nestes meses intensos de trabalho. Hoje, fotógrafa de muito sucesso na região Sul do país, Dani nos conta sobre o tempo em que esteve dentro da Royal Caribbean e divide conosco suas memórias.

Além disso, a Dani estará a disposição de vocês, certo? Caso tenham alguma dúvida específica ou queiram conversar um pouco mais com ela, basta deixar seus comentários ou  contato no campo destinado a eles no final desta postagem, e farei a ponte entre vocês para que ela possa auxiliá-los.

Decidi publicar a entrevista  na íntegra. Além de permitir que vocês leiam cada detalhe dela, a forma como Dani conta tudo com certeza nos aproxima ainda mais do que ela viveu. Estejam preparados para uma dose grande de realidade. Essa é a função de tudo o que nos ajuda a crescer: separar o que é idealização do que é a verdade. O divisor de águas que pode fazer com que você opte ou não por esta modalidade de trabalho e carreira no exterior.

Segundo as próprias palavras da Dani você aprende, depois de passar por uma experiência dentro de Cruzeiros, que pode trabalhar com qualquer coisa, você aprende que pode e consegue. Quem trabalhou com Cruzeiros faz qualquer coisa”

 

Como é trabalhar dentro de um Cruzeiro?

1)  E quem é a Dani?  De onde é, o que estudou e o que faz hoje, seu trabalho e paixões… 


Meu nome é Daniela Buzzi, tenho 31 anos (quase 32 :P), estudei administração na faculdade e fotografia na pós-graduação. Desde pequena, sempre fui apaixonada pela fotografia, por arquitetura e pela Itália. Depois de idas e vindas, decidi criar raízes em Penha/SC e trabalhar com fotografia de arquitetura e interiores.
Trabalhar em Cruzeiros - Daniela Buzzi

A linda e talentosa Daniela Buzzi. Veja mais sobre o trabalho com Fotografia de Arquitetura que ela desenvolve em seu site danielabuzzi.com.br

2) Quando e como surgiu a ideia de trabalhar com Cruzeiros? ( foi um anúncio? algum amigo informou? conhecia alguém que trabalhou com isso e te motivou? ) 

Eu sempre tive essa ideia em mente. Tinha um ou dois conhecidos que já tinham embarcado, mas nunca conversamos sobre as experiências. Quando morei na Itália, acabei amadurecendo essa ideia um pouco mais. Via muitos navios tanto no Mediterrâneo quanto no Adriático, e achava sensacional a ideia de embarcar. Por mais que soubesse que seria um trabalho difícil, era algo que faltava no meu ciclo de experiências de vida.
Observação minha:  A Dani viajou para a Itália para melhorar o idioma e trabalhou lá como cuidadora de crianças ( au-pair ) por quase todo o tempo em que esteve no país, e o fato da família viajar bastante permitiu que, além das viagens que ela podia fazer aos finais de semana ainda conhecesse mais um pouquinho dos cantinhos especiais que a Itália possui e só quem é de lá sabe onde ficam. E ela ainda deixou uma dica valiosa: em seu último mês dentro da Italia, viajou com o Hospitality Club, um clube de viagens onde você se hospeda nas casas das famílias, parecido com o Airbnb porém com uma diferença crucial: É GRATUITO. Adorou e recomenda muito, ficar hospedada com famílias tornou a experiência ainda mais incrível.

3) Sobre o processo seletivo: o que pediram? sentiu dificuldade? Quanto tempo levou desde a tua inscrição até o começo das atividades?

Fiz o processo seletivo todo em Santos. Foi um pouco demorado, fui algumas vezes a Santos e São Paulo capital, fazer entrevistas, testes, cursos, tirar certificações, visto americano. Depois tive que esperar mais alguns meses até a Royal Caribbean chamar pra embarcar. Foi em 2009, justamente na época do auge da crise nos EUA e na Europa, e do surto de gripe A no México. Era um momento conturbado, estavam segurando um pouco as contratações. Meses depois embarquei.

4) E sobre o tempo em que esteve nos navios… Muita coisa não??

Queria poder falar por horas e horas, dias e dias.
Lembrar do tempo onboard é lembrar de um mix inacreditável de experiências, de sensações, de emoções.
Trabalhar em navio é levar choques de cultura e realidade todos os dias, milhares de vezes por dia. É você não ter muito tempo pra pensar, e quando tem, pensar incansavelmente no “o que estou fazendo aqui?????”
Acho que a parte mais fascinante é, primeiro: o autoconhecimento e, segundo: conhecer gente nova de todas as partes do mundo todos os dias! Ok, você não pode dizer que realmente conhece uma pessoa numa conversa, mas tenho vários passageiros e colegas de trabalho que acompanham minha vida até hoje, se tornaram pessoas especiais pra mim e que quero levá-los pra sempre comigo.
Trabalhar onboard é conhecer a essência do ser humano, seja qual raça/cultura for. É ver diariamente o que as pessoas são capazes de fazer pela sobrevivência, por dinheiro, e também observar seus limites longe “das suas vidas reais”. É, antes de mais nada, assustador!!!
Trabalhar num navio é viver num mundo a parte. É acordar feliz, e em questão de minutos sair do sério por qualquer coisa banal. É amar e odiar em questão de instantes. É ter a estranha sensação de que uma semana passada é mais de um mês que passou. É a intensidade dos dias que nos faz perder totalmente a real noção do tempo.
O viver semi-isolado, mesmo que com quase 5 mil pessoas ao teu redor, que ajuda a confundir tudo.
A estranha sensação de querer sair no bar com os amigos pra respirar e relaxar, e encontrar absolutamente todas as mesmas pessoas de todos os dias, dos dias inteiros!
Ter sempre um chefe a tira-colo enchendo por alguma coisa, e mais ainda se vir felicidade estampada no teu rosto. É não sentir mais os pés, durante meses. É sentir dores sem fim. É fazer amizade com os chefes de cozinha pra poder conseguir comidas melhores porque você, na segunda semana embarcado, não aguenta mais o cheiro da comida servida a tripulação (crewmess).
É pular de alegria ao ver seu nome no mural, citado por passageiros amáveis nas fichas de avaliação, depois de mais um cansativo cruzeiro de sete dias pelo Pacífico. É pensar que você deixou algo de bom no coração deles!!!!!
E talvez, o mais valioso é você perceber que aguentou mais uma semana, mais um mês. É ligar triste pra casa e escutar seu pai dizendo: “- Aguenta firme, filha. Porque esse é teu exército, a melhor experiência da tua vida!” E ele sempre teve razão. Experiência que ninguém tira, e que você não adquire em absolutamente nenhum outro ambiente, só lá!

Se eu faria tudo de novo? Com certeza!!!!!!!

5) Valores: o salário e benefícios ( como as gorjetas por exemplo ) valem a pena ou vale mais a experiência deste trabalho, como um estágio para outros projetos?


No meu trabalho eu era remunerada com US$ 50 a cada 5 semanas pela Royal Caribbean, e o resto vinha das gorjetas. Peguei um momento horrível de crise, então não posso dizer que valeu realmente a pena em termos financeiros. Ganharia muito mais em outras épocas. Mas valeu a experiência. Para treinar inglês pode ser uma boa, mas você lida com sotaques tão ruins que muitas vezes acaba estragando um pouco seu inglês! heheheheh
Observação minha: Dani comentou que o salário é realmente baixo ( é o que você leu, U$ 50,00 a cada 5 semanas, uma média de U$ 10,00 por semana, que na verdade não seria nem mesmo um salário e sim um adicional para a tripulação que se revezasse trabalhando em um dos restaurantes de piscina, onde os clientes normalmente não pagavam gorjetas. Era portanto um jeito da companhia suprir a ausência de valores naquela semana.)
É feito desta forma para que os tripulantes se esmerem no atendimento e então ganhem mais. Assim, ela conseguia fazer de U$ 200,00 a U$ 500,00 por semana somente em gorjetas. Pensando por este aspecto, ainda considero um emprego temporário bastante rentável.
Segundo ela também, os tripulantes de Cruzeiros na costa brasileira são pré pagos em contrato, ou seja, quando o passageiro adquire o Cruzeiro já paga junto com seu pacote as taxas de gorjetas e assim não paga nada a mais dentro do navio. Isso pode ser bom e ruim ao mesmo tempo segundo ela pois, no caso de passageiros que costumavam colaborar mais do que o contrato da cia cobra hoje em dia, acabam por não acrescentar mais nada dentro do navio. Por um lado garante-se a gorjeta ( existem passageiros no exterior que não as pagam, assim o Brasil garante as gorjetas dos tripulantes cobrando antecipadamente ) mas por outro lado ela limita-se a um valor fixo e não tão alto.

6) A ideia que este trabalho te permite conhecer  lugares é real ou é uma forma de “contratar” para a função? 


Eu fiz a rota Los Angeles – Cabo San Lucas – Mazatlán e Puerto Vallarta durante todo o período. Podia descer uma semana sim, outra não. Conheci quase nada, porque quando descíamos queríamos comer, ou pegar uma praia. Tínhamos poucas horas para aproveitar, duas, três, e já tínhamos que voltar ao navio. Não posso dizer que realmente conheci essas cidades. Talvez trabalhando em outras funções, em outras rotas, em outras escalas sim. Mas você sempre tem pouco tempo para aproveitar de verdade.
Trabalhar em Cruzeiros

Mesmo com pouco tempo, Cabo San Lucas rendeu essa foto incrível para a Dani!

7) Das pessoas – etnias – com as quais teve contato, de quem sente mais saudade? 


Dos Turcos… eram os mais simpáticos e queridos!!!!

8) Das coisas que aprendeu dentro do navio, trouxe algo ( costume, mania ) para a tua vida pessoal? Algo que faça até hoje? E para a tua vida profissional?


Algumas coisas acho que vou carregar pro resto da vida, das mais importantes, valorizar as pequenas coisas da vida é mais forte, com certeza! Dormir com o black out aberto e ficar feliz com o sol, ou ao menos a claridade, batendo no rosto todas as manhãs é uma das coisas mais bizarras, mas que não abro mão.
Na cabine você nunca sabe que horas são, se faz frio, se faz calor, se tem sol ou tá chovendo, se tá dia ou noite.
Outra coisa bizarra é a quantidade exagerada de plantas que tenho em casa. Posso ter plantas, posso ter um cachorro!!!!!!
Outra ainda pior é chegar na máquina de lavar e ela está esperando por você!!!!! No navio, o momento “lavar roupas” era tenebroso!!!!! Esperávamos horas por uma máquina de lavar, horas por uma de secar. Tínhamos que ficar esperando na área de serviço porque se saíssemos a probabilidade de encontrarmos nossas roupas fora da máquina, sem lavar, era enorme!!!!! Sem contar nas vezes que as máquinas quebravam no meio do serviço, era um pesadelo sem fim!!!!!!
Profissionalmente: Trabalhar acho que foi o maior de todos os aprendizados. Trabalhar, 10 – 12 – 14 horas em pé, todos os dias da semana, inclusive aos domingos, sem reclamar!!!!
Trabalhar com Cruzeiros - Daniela Buzzi

O Mariner of The Seas, da Royal Caribbean. Lar de Dani em 2009  e terreno de muitas histórias para contar.

9) De que destino conhecido sente mais  saudade?


Na verdade, minha rota era sempre a mesma e bem curta. Cabo San Lucas é um destino que eu voltaria milhares de outras vezes, sem dúvidas!!!!

10) Você sabe que esta foi a última temporada da Royal Caribbean no Brasil, e a Pullmantur também anunciou a retirada dos seus navios daqui. O que você sente com relação a isso? Acha que as chances dos brasileiros em trabalhar com Cruzeiros irão diminuir ou as cias ainda poderão fazer contratações aqui?


Eu acredito que continuarão com as contratações, mesmo que as diminuam.
O número sempre foi maior por causa da rotas brasileiras, porque a maioria dos hóspedes são locais e acabam necessitando de profissionais daqui. Porém, os brasileiros têm um carisma sem igual em qualquer rota, em qualquer parte do mundo. Isso faz uma diferença enorme no bom atendimento das companhias.

11) Que conselhos daria as pessoas que querem uma experiência de trabalho internacional, seja em terra ou em Cruzeiros?

Pra mim, antes de mais nada, experiências internacionais exigem mente aberta. Aberta pra todas as coisas boas que você vai absorver, e aberta também a experiências desagradáveis. Nem tudo é tão maravilhoso quanto a gente idealiza. Isso pode frustrar muito. No navio, o que mais me deixava triste era ver o comportamento das pessoas em relação ao “make money” . Tudo o que elas faziam para ganhar um tostão a mais. Era algo que para mim não fazia sentido. Acabei sempre tentando absorver o lado positivo de tudo, mas confesso que não foi fácil.

12) E a Dani hoje, com que olhos enxerga os profissionais que trabalham dentro de Cruzeiros? 


Existem vários perfis. Alguns (brasileiros principalmente) têm condições melhores de vida e estão em busca de uma experiência totalmente diferente.
Já a grande maioria, estrangeiros principalmente, estão no trabalho que sempre sonharam. Ganham muito mais dinheiro num contrato de navio do que em anos de trabalho nos seus países de origem. Estão dispostos a fazer carreira, e a viver essa vida louca por muitos e muitos anos. Trabalham, trabalham e trabalham. Quase não aproveitam, quase não saem para comer em restaurantes, conhecer lugares. Precisam enviar dinheiro às famílias. No final, são muito mais do que guerreiros! 
Trabalhar com Cruzeiros - Daniela Buzzi

A alegria em encontrar brasileiros dentro do navio em rotas internacionais. Um gostinho de casa no meio da rotina de trabalho.

 

E depois de todo este depoimento…

Choques de realidade as vezes são necessários. Ainda assim, é importante que você que está pensando em ingressar nesta carreira, buscando alcançar outros postos de trabalho, compreenda que pode ser sim um esforço necessário e extremamente gratificante ao final de tudo.

A grande maioria dos brasileiros que trabalhou com Cruzeiros nos últimos anos tem o perfil que a Daniela começou a delimitar na última pergunta que fiz a ela: são pessoas com condições um pouco melhores de vida ( melhores que a grande maioria das equipes de bordo mundiais, formadas enormemente por indianos, paquistaneses e filipinos ) e buscam esta experiência como porta de entrada para outras no exterior. E isso funciona mesmo. Não somente para o exterior mas, aqui como no exemplo da Daniela, isso trouxe ensinamentos e didática para trabalho dentro do Brasil.

Cada tipo de trabalho tem seu perfil, como ela bem analisa e concordo plenamente. O perfil necessário ao trabalho dentro de Cruzeiros é o de pessoas que não tem qualquer problema em acatar ordens, que não tem problemas com padrão de trabalho quase militarizado, que aceitam jornadas maiores – as gorjetas podem ser muito boas! – e que tem em mente que este período de trabalho é uma etapa de vida.

Algo grande em seu currículo e bem avaliado por empregadores do Brasil e fora daqui ( algumas companhias aéreas internacionais, como a Royal Air Morocco e a Emirates dão preferências a aspirantes a comissários de bordo que tenham vivência em Cruzeiros ). É uma opção, que deve com toda certeza ser muito bem pensada e comparada com outras disponíveis no momento. Como eu citei no começo, toda mudança é complexa e dolorida porém, algumas podem ser extremamente positivas para seu futuro.

Cabe então a você descobrir o que acredita ser melhor para a construção de seu histórico profissional direcionado ao exterior. Boa Sorte!

Gostaria de fazer alguma pergunta direta a Daniela?
Deixe seu nome e e-mail nos campos abaixo indicados e faça sua pergunta a Daniela. Ela responderá diretamente em seu e-mail.

 

No mais, de uma olhadinha no trabalho da Daniela hoje. A fotografia foi uma paixão que o trabalho lá fora ampliou e tornou profissão. Isso também pode servir de inspiração, não é?

Veja mais sobre ela em seu site e também acesse seu portfolio aqui.  Caso queira contratar seu trabalho, abaixo estão todos os contatos.

 

Daniela Buzzi Fotografia de Arquitetura

 

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Obrigada por estar aqui e nos falamos em breve!